quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Com fogo não se brinca

Aproveitando o gancho do assunto fogos de artifício, não é de exclusividade minha as historias de incidentes inflamáveis. Minha família já presenciou vários casos que fizeram jus ao ditado que com fogo não se brinca.
Começando pela memorável surpresa de aniversario da minha bisavó. Ela devia estar fazendo uns 85 anos, no mínimo, e alguém teve a brilhante idéia de colocar 85 velinhas em cima do bolo. Cada uma representando um ano de vida.
A primeira coisa que me vem à cabeça mediante a esta cena é que uma senhora de 85 anos provavelmente não teria fôlego pra apagar as 85 velas, mas acho que no dia ninguém tinha pensado a respeito.
Velas acesas, começa o ‘Parabéns a Você’ e as filmagens caseiras daquele tio que passa o final de semana inteiro com a câmera na mão... Todos cantam animados homenageando a bisa, as crianças em torno da mesa todas eufóricas pelo fogaréu que pairava sobre o bolo. Até que uma voz infantil - mais estridente do que a média de tolerabilidade do tímpano humano suporta - brada: “O bolo ta pegando fogo!!!”
E começa a correria, bisa pra um lado, crianças pro outro, meia dúzia de comadres soprando as velas, enquanto os outros fogem ou pensam em chamar os bombeiros. Vendo o insucesso das tentativas de apagar o fogo a sopro, outra tia pega uma almofada e começa a bater no bolo arremessando migalhas e pedaços de merengue pra todos os lados. E o tio, que mal saiu da sua posição inicial, continua filmando, pra alegria das gerações futuras que não tiveram a oportunidade de presenciar o circo ao vivo.
Tiveram outras ocasiões em que uma câmera na mão no momento certo fez muita falta. É o caso de um reveillon em que meu pai e um dos irmãos deles regrediam à infância brincando com fogos de artifício. Eles tinham comprado algo que o vendedor – que se atuo-denominava Pink, diga-se de passagem – chamava de “chuva de estrelinhas”. Tratava-se de um suporte cônico de um pouco mais de 5cm de altura, que deveria ser colocado firme no chão. Quando ateado fogo, o material de combustão disparava a uns 2 metros de altura fagulhas coloridas com formato semelhante à estrelas. Meu pai e o irmão dele foram pro meio da rua, colocaram o suporte no chão, acenderam o fogo e se preparavam pra sair correndo para não serem pegos pelas fagulhas. Acontece que o cone não ficou em pé, ele caiu, e deitado a pressão das fagulhas fazia com que ele girasse sem parar, não dando tempo suficiente pros dois espertinhos saírem correndo. Na hora do susto, ao invés de fugir para longe do fogo, eles ficaram cada um de um lado do cone, dando pulinhos toda vez que o fogo ia pro seu lado. Numa espécie de “pula-cordas” e, sendo assistidos de camarote pelo resto da família que ria sem conseguir se conter. Os dois só pararam de saltitar e foram se recompor uns 5 minutos depois, quando a “chuva de estrelinhas” perdeu força e parou de rodopiar.
E como se não bastasse, no reveillon do ano seguinte, mais uma vez lá foram os marmanjos brincar com os tais fogos de artifício do Pink, e dessa vez atearam fogo na camisa nova do meu avô, que assistia inocente as brincadeiras da sua cadeira de balanço. Lá foi a família inteira encher meu avô de tapas para não deixar o fogo se espalhar.
Mas, fogos a parte, as coisas acabavam saindo bem. As trocas de presente aconteciam, a lentilha sempre ficou pronta até a meia noite. Todos cantavam juntos “Adeus ano velho”, camisas queimadas ou não. Como diz o ditado: “São coisas que acontecem nas melhores famílias.”.

sábado, 10 de outubro de 2009

Bombril, mil e uma utilidades

Quando se mora em uma “cidade” onde não existem parques, cinemas, teatros, shopping, e nem outra qualquer forma de entretenimento, nossa imaginação acaba sendo impulsionada. Ainda mais quando se é uma criança cheia de energia.
Meus primos e eu descobríamos as formas mais inusitadas de diversão. As crianças da cidade grande não podem imaginar o quão divertido é brincar dentro de um caminhão cheio de soja! Alguns podem ver aí muito trabalho, outros vêem dinheiro, negócios... Outros ainda vêem o pão de cada dia. Para nós, era pura diversão. Imaginem um campeonato onde ganha quem encontrar um maior numero de joaninhas. Imaginem no final do dia tirar bolinhas de soja dos cabelos, roupas, do nariz... Não tem preço, e nem descrição.
Também fez parte de nossa criação ‘desbravar coxilhas’ (vide dicionário gaúcho), atravessando riachos, banhados, matos, capinzais, campos com touros, e tudo mais que cruzasse o nosso caminho. Menos de um metro e meio de altura, e uma curiosidade e coragem que não cabia em nós.
Mas é claro que, nem sempre fomos bem sucedidos. Em uma dessas minhas aventuras, eu subi em uma árvore, pulando em cima de um galho para testar sua flexibilidade, e me segurava em outro, um pouco mais espesso. Não foi preciso muito tempo para perceber que aquele galho não era assim tão flexível, tampouco resistente. O galho em que eu estava pulando quebrou, e eu fiquei suspensa a uns 2 metros de altura, pendurada como um macaquinho no galho acima da minha cabeça.
Agora imaginem aquelas cenas de filme onde o galho começa a estalar anunciando que não vai permanecer ali por muito tempo. Pois foi isso que aconteceu. Na hora me veio em mente um ditado que meu pai me ensinou: “Macaco que não pula, cai.”, mas já era tarde demais quando tomei a atitude de pular. Me soltei ao mesmo tempo que o galho quebrou. Caí ‘de bunda’ no chão, e o galho caiu na minha cabeça. Não sei quanto tempo fiquei ali deitada, e gostaria de retratar maiores detalhes desse incidente, mas é até aí que minha memória alcança. Acredito que o resto dessa lembrança foi comprimida pelo galo que se formou na minha testa.
Também teve um dia em que meu primo e eu – aquele mesmo das férias de verão – nos preparávamos para mais uma noite de reveillon em família. Era um costume local as crianças queimarem esponjas de aço, tipo Bombril, no lugar de fogos de artifício. Era uma alternativa mais barata, porém não menos perigosa. Amarrávamos um barbante na ponta da esponja, colocávamos fogo, e rodávamos em torno do corpo vendo o show pirotécnico que as fagulhas e faíscas da combustão apresentavam. Ps.: Crianças, não tentem fazer isso em casa.
Normalmente a gente queimava uma ou duas esponjas que a nossa vó cedia da cozinha, mas neste ano nós decidimos fazer melhor. Juntamos todas as moedas que tínhamos em nossos cofrinhos e fomos pro mercadinho da rua gastar tudo em esponjas. Conseguimos 14 pacotes, cada um com 8 unidades, e acabamos com o estoque do mercado. Quando chegou a hora de queimar os fogos lá fomos nós. Prontos pra nos esbaldar. Queimamos os 14 pacotes de uma só vez. Girando em todos os sentidos, formas e trejeitos. Um espetáculo a parte.
Giramos tanto que na mesma noite eu comecei a sentir uma dor leve no ombro. Até me queixei para minha mãe, mas como o corpo estava quente e eu não aparentava ter nada sério minha mãe não deu muita importância e continuei a brincar.
Essa noite e essas malditas esponjas fizeram eu sentir a pior dor da minha vida. Eu tinha deslocado o ombro, de tanto fazer o movimento circular da queima de Bombril, e no dia seguinte não conseguia me mexer. Precisei de ajuda pra sair da cama, me vestir, e ir até o médico.
O caminho até o médico também foi o mais longo da história. Como tínhamos que andar pelo menos uma hora em estrada de terra, a cada buraco que passávamos ou cada curva que nossa camionetinha velha fazia, eu chorava de dor. E quis com todas as minhas forças morder o médico quando tocou o meu braço.
Repito: “Crianças, não façam isso em casa.”.
Lição aprendida, nunca mais queimei uma esponja na minha vida. Mas ainda tenho a foto dessa minha façanha.
Quando a encontrar posto aqui pra vocês!

domingo, 4 de outubro de 2009

Bifes de fígado

Eu agradeço a Deus pela infância privilegiada que tive no interior do Rio Grande do Sul. Fui criada completamente livre, e longe das paranóias ocasionadas pela violência que os grandes centros carregam junto com a sua infra-estrutura.
Boa parte dessa infância foi compartilhada com os meus primos. Um deles, especificamente, passava as férias de verão inteiras na cidade onde eu morava. Foram os meses mais divertidos da minha vida.
Quando minha mãe engravidou da minha irmã eu tinha 8 anos, 14 Barbies, um primo, e nenhum juízo. Como já mencionado anteriormente, das Barbies não sobraram nada depois do nascimento da minha irmã, o primo continua o mesmo desde os seus 7 anos, e o juízo... vai melhorando com o tempo.
O médico da minha mãe indicou que ela comesse bifes de fígado, porque é rico em ferro e ajudaria no bom desenvolvimento do bebê. Meu primo e eu estávamos aproveitando um dos longos dias das nossas férias quando minha mãe nos chamou pedindo que fôssemos comprar 1Kg de fígado no açougue.
Eu também já comentei anteriormente sobre os meus lapsos de memória... Pois bem, se eu não lembrava o que exatamente era pra comprar, o meu primo, muito menos. Chegando no açougue pedimos 1 fígado inteiro, ao lugar de um singelo Kg.
E um fígado bovino inteiro é grande, especialmente para crianças de 6 e 7 anos. O balconista do açougue colocou aquele órgão em uma sacolinha plástica, a qual nem eu nem meu primo conseguiriamos carregar sozinhos, mas lá fomos nós. Cada um pegou em uma alça da sacola para distribuir o peso e conversávamos animadamente a caminho de casa.
Na metade do caminho, senti um súbito alívio no peso da minha alça, e demorou alguns passos até meu primo e eu pararmos de caminhar e perceber o que tinha acontecido... Era óbvio que aquela sacolinha ia arrebentar, mas nós só constatamos isso quando vimos aquele fígado ensaguentado rolando estrada abaixo.
A estrada era de terra, sem nenhuma pavimentação, e o sangue daquele troço misturado com terra vermelha criou uma crosta de barro por cima da carne.
Ajuntamos de qualquer jeito aquele pedaço de 'bofe', cravando as unhas e carregando no colo como podíamos, "como dois urubus" segundo a descrição da minha mãe. E chegando em casa largamos aquela carcaça ensanguentada e embarrada em cima da calçada.
Naquela época eu não pensei muito na consequência que aquela cena traria a uma mulher grávida, mas foi ainda menos agradável do que o fígado destroçado.
Minha mãe literalmente não sabia se ria ou se chorava, enquanto nos xingava mandando levar aquela coisa pra longe dela.
Nós interrompemos de forma irreversível a prescrição do médico, minha mãe não conseguia mais nem sentir o cheiro de fígado pelo resto da gestação. Mesmo assim, graças a Deus, minha maninha nasceu firme e forte, e afinal de contas aquele ferro nem fez tanta falta assim.