terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Meu Brasil brasileiro

Passados os insuportáveis 15 minutos de fama de Geise e seu vestido cor-de-rosa – que milhares de brasileiras vestem diariamente semelhantes, ou piores, diga-se de passagem – vem a tona o escândalo do ator americano Robin Willians, que fez uma piada imperdoavelmente difamatória contra a nação brasileira.
Me estristece ver este tipo de notícia na televisão e nos jornais. Infelizmente constato que essas matérias sensacionalistas são resultado de um declínio da qualidade jornalística, pura e simplesmente, e não pela falta do que noticiar.
O problema dos alagamentos em São Paulo não foi resolvido, simplesmente parou de chover. Os nossos políticos continuam enchendo meias e cuecas de dinheiro, a revigorada no Rio de Janeiro para receber os jogos olímpicos não anda lá essas coisas... ou então porque não noticias também coisas boas? A economia brasileira anda bem, comerciantes festejam as vendas de final de ano, e alguém sabe a quantas andam as pesquisas da cura do câncer a partir das células tronco? Pois é. As enchentes devastadoras do Rio Grande do Sul passaram, e agora os motirões de pessoas se ajudando mutuamente revela o verdadeiro espírito do natal, mas isso já não dá mais audiência. Enfim, ao invés disso, sei que alguns universitários desocupados não gostaram de um vestido obsceno, e outros tantos brasileiros desocupados não gostaram de uma piada que feriu seu patriotismo.
Logo os brasileiros, que tem um senso de humor tão aguçado! Vale lembrar-vos que temos, em rede nacional, toda terça-feira, um programa de televisão cujo único objetivo é chacotear o que vier pela frente: anônimos, celebridades, presidentes e nações. Quantas vezes já gargalhamos com as versões brasileiras de Bush’s e os recentes Barack Obamas? E o que diriam nossos hermanitos argentinos das piadas a respeito do seu povo, que devem corresponder pelo menos ao 3º lugar entre as favoritas dos brasileiros (logo atrás das de sogra, e de português – opa! E olha aí outra nação sendo cutucada pelas nossas piadas infames!). E o que dizer sobre os tantos comentários sobre palestinos, israelitas, Osamas bin Ladens da vida. Esses sim, eu espero que levem nossas brincadeirinhas na esportiva, porque não consigo imaginar as consequências de uma indignação por parte deles.
Sr Willians, apesar da indelicadeza da sua parte, não se sinta culpado por ter associado o Brasil com tráfico e prostituição. Muitos de nós brasileiros também enxergamos dessa forma. E os outros que realmente deveriam enxergar fazem de conta que perderam esse sentido, a visão.

sábado, 12 de dezembro de 2009

Mas que tanto mel?

Adoro acordar e ver
Que você ainda está ao meu lado
O cabelo desarrumado
E aquela cara amaçada
Ficar juntos e mais nada
De tudo mais esquecer

E quando a cama vazia
Enquanto dobro o pijama
Ouvir dizer que me ama
Que é um cara de sorte
Ganhar um abraço forte
Já no raiar do dia

As horas passam depressa
Eu mal as consigo notar
Ocupada demais em te amar
Não dou importancia ao tempo
Ter você perto é meu alento
Desse desfrute ninguém me impeça

Mas como é grande o espaço
Dessa casa sem tua presença
Sinto o cheiro da sua ausencia
E as coisas perdem sua cor
Quando não esta comigo, amor
Aí me falta um pedaço.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

A tal da desgraça alheia _da edição Memórias da Aviação

Todos nós aprendemos o quanto é feio e desnecessário rir da desgraça alheia. Grandes traumas podem ser provocados por pequenos, porém dispensáveis, gestos. Mas convenhamos, fracos seres humanos que somos, identificamos de longe pessoas que clamam por platéias e risos. Pedem ao menos uns 5 minutos de atenção – gastos nessa leitura.
Certo dia um jovem, que trabalha na aviação, sofreu um acidente inusitado com o avião ainda em solo – sorte a dele. Ele não percebeu que, com as portas já abertas, ainda não estava acoplada a escada de desembarque da aeronave. Em um ímpeto de liberdade, na ânsia por um pouco de ar fresco, o pobre despencou porta afora, de uma altura de aproximadamente 3 metros. Como consequência teve apenas algumas fraturas leves, o suficiente para mantê-lo afastado dos vôos por algum tempo.
Quando voltou já havia se tornado, indiscutivelmente, um personagem dos ares. Há muito tempo sua história já estava passando pela ‘boca do povo’, o que dispertava variados tipos de comentário por qualquer aeroporto que passasse.
Já nos primeiros dias de vôo após o seu retorno, ele encontrou ao acaso um velho amigo, este faria parte da tripulação do vôo que estava assumindo. Conversa vai, conversa vem, e o nosso protagonista resolveu enfim explicar o que exatamente havia acontecido naquele dia infeliz. Pois bom artista que era, não se contentou apenas em uma narrativa monótona e sem vida, quis também encenar o seu feito.
Foi assim que sua maior façanha se realizou, aquela que fez seu nome ficar gravado eternamente na memória da população aeronauta. Ele caiu denovo. Tão empolgado que estava mostrando ao seu colega como tinha caído, mais uma vez se deparou com a porta da aeronave aberta sem nenhuma escada ou apoio. Simplesmente, caiu!
O único comentário que tenho a fazer a respeito – além da exposição pura dos fatos – é: “Errar é humano, repetir o erro é burrice!”. Autor desconhecido. Fonte: minha sábia mãe.
Entendo que essa tenho sido uma desgraça, mas não é um bom exemplo daquela risada inevitável? ...E aproveitando ao gancho dos ditos populares: “Tem que rir, pra não chorar”.

sábado, 5 de dezembro de 2009

Minha mãe é o cara

Vivi toda a minha infância em um lugar muito tranquilo, na realidade eu diria até isolado... Dividia a minha rua com apenas outras duas casas, eram esses os nossos vizinhos mais próximos. Em uma dessas casas havia um menino, meu primo por segundo grau, que me fazia companhia quando nossas mães se encontravam para conversar e tomar ‘mate’. E na outra, um casal de senhores de aparência simpática, tranquilos, que davam a impressão de ter passado os últimos 50 anos fazendo a mesma coisa.
Quase posso vizualizar eles acordando sem se cumprimentar, tomando café calados, se dirigindo cada um a sua cadeira de balanço, sem dizer nenhuma palavra. Essa parte do despertar e desjejum matinal obviamente eu nunca presenciei, apenas imagino que deve ser assim porque eles não nos davam margem pra imaginar outra coisa. Também morava lá o pai do homem do casal, esse me dava balas e me chamava de macaco. É tudo que eu consigo me lembrar.
Porém, mesmo com esse sossego todo, nós conseguíamos sim alguns atritos, como toda boa vizinhança! E as briguinhas de interior são as melhores. Minha mae cuidava de um jardim magnífico na nossa casa, cheio de vida, com flores de todas as cores, de todos os tipos. Mas, um dia percebeu que havia algo errado com o jardim, os canteiros apareciam remexidos, as flores despedassadas, e ela começou a investigar o que estava acontecendo. Não foi preciso muito esforço para ver as galinhas - que os vizinhos calados criavam soltas - ciscando pelo jardim, e bicando desvairadas as flores coloridas que se despedaçavam pelo chão.
Ao constatar que o problema era esse, no mesmo momento minha mãe me pegou pela braço e foi comigo até o vizinho pedir gentilmente que ele comece a prender suas galinhas, que estavam estragando suas plantas.
Dois dias depois, as galinhas continuavam soltas sorrateiras entre as flores. Minha mãe voltou ao vizinho e pediu novamente, agora não mais tão gentil, que prenda as penosas.
Ainda repetiu uma terceira vez o pedido ao vizinho, antes de fazer uma das coisas que a deixou conhecida pelo lugar...
Depois de já ter extrapolado a sua cota de conversa, ela sentou na frente de casa graciosa e silenciosa, cabeça erguida, sorriso no rosto, e a espingarda de caça do meu pai cerrada nos punhos (leia-se que ainda não era exigido o porte de arma nessas circunstâncias) e matou as galinhas do vizinho a tiros.
Ah como eu queria ser uma mosquinha nesse momento pra ver a reação de cada um dos vizinhos! E queria também poder lembrar de mais detalhes dessa cena, uma mulher de seus 26 anos, linda e indiscutivelmente decidida, descer do salto e partir à caça às galinhas... o que me anima é que, mesmo não podendo ter visto a reação das pessoas na época, consigo arrancar até hoje as mesmas expressões das pessoas pra quem conto essa façanha!
Que orgulho, mãe! Quando eu crescer quero ser como você!


Ps.: Se a reação foi essa ao mexer com seu jardim, imaginem se alguem ousasse mexer com as suas ‘filhotas’. Não paguem pra ver...

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Com fogo não se brinca

Aproveitando o gancho do assunto fogos de artifício, não é de exclusividade minha as historias de incidentes inflamáveis. Minha família já presenciou vários casos que fizeram jus ao ditado que com fogo não se brinca.
Começando pela memorável surpresa de aniversario da minha bisavó. Ela devia estar fazendo uns 85 anos, no mínimo, e alguém teve a brilhante idéia de colocar 85 velinhas em cima do bolo. Cada uma representando um ano de vida.
A primeira coisa que me vem à cabeça mediante a esta cena é que uma senhora de 85 anos provavelmente não teria fôlego pra apagar as 85 velas, mas acho que no dia ninguém tinha pensado a respeito.
Velas acesas, começa o ‘Parabéns a Você’ e as filmagens caseiras daquele tio que passa o final de semana inteiro com a câmera na mão... Todos cantam animados homenageando a bisa, as crianças em torno da mesa todas eufóricas pelo fogaréu que pairava sobre o bolo. Até que uma voz infantil - mais estridente do que a média de tolerabilidade do tímpano humano suporta - brada: “O bolo ta pegando fogo!!!”
E começa a correria, bisa pra um lado, crianças pro outro, meia dúzia de comadres soprando as velas, enquanto os outros fogem ou pensam em chamar os bombeiros. Vendo o insucesso das tentativas de apagar o fogo a sopro, outra tia pega uma almofada e começa a bater no bolo arremessando migalhas e pedaços de merengue pra todos os lados. E o tio, que mal saiu da sua posição inicial, continua filmando, pra alegria das gerações futuras que não tiveram a oportunidade de presenciar o circo ao vivo.
Tiveram outras ocasiões em que uma câmera na mão no momento certo fez muita falta. É o caso de um reveillon em que meu pai e um dos irmãos deles regrediam à infância brincando com fogos de artifício. Eles tinham comprado algo que o vendedor – que se atuo-denominava Pink, diga-se de passagem – chamava de “chuva de estrelinhas”. Tratava-se de um suporte cônico de um pouco mais de 5cm de altura, que deveria ser colocado firme no chão. Quando ateado fogo, o material de combustão disparava a uns 2 metros de altura fagulhas coloridas com formato semelhante à estrelas. Meu pai e o irmão dele foram pro meio da rua, colocaram o suporte no chão, acenderam o fogo e se preparavam pra sair correndo para não serem pegos pelas fagulhas. Acontece que o cone não ficou em pé, ele caiu, e deitado a pressão das fagulhas fazia com que ele girasse sem parar, não dando tempo suficiente pros dois espertinhos saírem correndo. Na hora do susto, ao invés de fugir para longe do fogo, eles ficaram cada um de um lado do cone, dando pulinhos toda vez que o fogo ia pro seu lado. Numa espécie de “pula-cordas” e, sendo assistidos de camarote pelo resto da família que ria sem conseguir se conter. Os dois só pararam de saltitar e foram se recompor uns 5 minutos depois, quando a “chuva de estrelinhas” perdeu força e parou de rodopiar.
E como se não bastasse, no reveillon do ano seguinte, mais uma vez lá foram os marmanjos brincar com os tais fogos de artifício do Pink, e dessa vez atearam fogo na camisa nova do meu avô, que assistia inocente as brincadeiras da sua cadeira de balanço. Lá foi a família inteira encher meu avô de tapas para não deixar o fogo se espalhar.
Mas, fogos a parte, as coisas acabavam saindo bem. As trocas de presente aconteciam, a lentilha sempre ficou pronta até a meia noite. Todos cantavam juntos “Adeus ano velho”, camisas queimadas ou não. Como diz o ditado: “São coisas que acontecem nas melhores famílias.”.

sábado, 10 de outubro de 2009

Bombril, mil e uma utilidades

Quando se mora em uma “cidade” onde não existem parques, cinemas, teatros, shopping, e nem outra qualquer forma de entretenimento, nossa imaginação acaba sendo impulsionada. Ainda mais quando se é uma criança cheia de energia.
Meus primos e eu descobríamos as formas mais inusitadas de diversão. As crianças da cidade grande não podem imaginar o quão divertido é brincar dentro de um caminhão cheio de soja! Alguns podem ver aí muito trabalho, outros vêem dinheiro, negócios... Outros ainda vêem o pão de cada dia. Para nós, era pura diversão. Imaginem um campeonato onde ganha quem encontrar um maior numero de joaninhas. Imaginem no final do dia tirar bolinhas de soja dos cabelos, roupas, do nariz... Não tem preço, e nem descrição.
Também fez parte de nossa criação ‘desbravar coxilhas’ (vide dicionário gaúcho), atravessando riachos, banhados, matos, capinzais, campos com touros, e tudo mais que cruzasse o nosso caminho. Menos de um metro e meio de altura, e uma curiosidade e coragem que não cabia em nós.
Mas é claro que, nem sempre fomos bem sucedidos. Em uma dessas minhas aventuras, eu subi em uma árvore, pulando em cima de um galho para testar sua flexibilidade, e me segurava em outro, um pouco mais espesso. Não foi preciso muito tempo para perceber que aquele galho não era assim tão flexível, tampouco resistente. O galho em que eu estava pulando quebrou, e eu fiquei suspensa a uns 2 metros de altura, pendurada como um macaquinho no galho acima da minha cabeça.
Agora imaginem aquelas cenas de filme onde o galho começa a estalar anunciando que não vai permanecer ali por muito tempo. Pois foi isso que aconteceu. Na hora me veio em mente um ditado que meu pai me ensinou: “Macaco que não pula, cai.”, mas já era tarde demais quando tomei a atitude de pular. Me soltei ao mesmo tempo que o galho quebrou. Caí ‘de bunda’ no chão, e o galho caiu na minha cabeça. Não sei quanto tempo fiquei ali deitada, e gostaria de retratar maiores detalhes desse incidente, mas é até aí que minha memória alcança. Acredito que o resto dessa lembrança foi comprimida pelo galo que se formou na minha testa.
Também teve um dia em que meu primo e eu – aquele mesmo das férias de verão – nos preparávamos para mais uma noite de reveillon em família. Era um costume local as crianças queimarem esponjas de aço, tipo Bombril, no lugar de fogos de artifício. Era uma alternativa mais barata, porém não menos perigosa. Amarrávamos um barbante na ponta da esponja, colocávamos fogo, e rodávamos em torno do corpo vendo o show pirotécnico que as fagulhas e faíscas da combustão apresentavam. Ps.: Crianças, não tentem fazer isso em casa.
Normalmente a gente queimava uma ou duas esponjas que a nossa vó cedia da cozinha, mas neste ano nós decidimos fazer melhor. Juntamos todas as moedas que tínhamos em nossos cofrinhos e fomos pro mercadinho da rua gastar tudo em esponjas. Conseguimos 14 pacotes, cada um com 8 unidades, e acabamos com o estoque do mercado. Quando chegou a hora de queimar os fogos lá fomos nós. Prontos pra nos esbaldar. Queimamos os 14 pacotes de uma só vez. Girando em todos os sentidos, formas e trejeitos. Um espetáculo a parte.
Giramos tanto que na mesma noite eu comecei a sentir uma dor leve no ombro. Até me queixei para minha mãe, mas como o corpo estava quente e eu não aparentava ter nada sério minha mãe não deu muita importância e continuei a brincar.
Essa noite e essas malditas esponjas fizeram eu sentir a pior dor da minha vida. Eu tinha deslocado o ombro, de tanto fazer o movimento circular da queima de Bombril, e no dia seguinte não conseguia me mexer. Precisei de ajuda pra sair da cama, me vestir, e ir até o médico.
O caminho até o médico também foi o mais longo da história. Como tínhamos que andar pelo menos uma hora em estrada de terra, a cada buraco que passávamos ou cada curva que nossa camionetinha velha fazia, eu chorava de dor. E quis com todas as minhas forças morder o médico quando tocou o meu braço.
Repito: “Crianças, não façam isso em casa.”.
Lição aprendida, nunca mais queimei uma esponja na minha vida. Mas ainda tenho a foto dessa minha façanha.
Quando a encontrar posto aqui pra vocês!

domingo, 4 de outubro de 2009

Bifes de fígado

Eu agradeço a Deus pela infância privilegiada que tive no interior do Rio Grande do Sul. Fui criada completamente livre, e longe das paranóias ocasionadas pela violência que os grandes centros carregam junto com a sua infra-estrutura.
Boa parte dessa infância foi compartilhada com os meus primos. Um deles, especificamente, passava as férias de verão inteiras na cidade onde eu morava. Foram os meses mais divertidos da minha vida.
Quando minha mãe engravidou da minha irmã eu tinha 8 anos, 14 Barbies, um primo, e nenhum juízo. Como já mencionado anteriormente, das Barbies não sobraram nada depois do nascimento da minha irmã, o primo continua o mesmo desde os seus 7 anos, e o juízo... vai melhorando com o tempo.
O médico da minha mãe indicou que ela comesse bifes de fígado, porque é rico em ferro e ajudaria no bom desenvolvimento do bebê. Meu primo e eu estávamos aproveitando um dos longos dias das nossas férias quando minha mãe nos chamou pedindo que fôssemos comprar 1Kg de fígado no açougue.
Eu também já comentei anteriormente sobre os meus lapsos de memória... Pois bem, se eu não lembrava o que exatamente era pra comprar, o meu primo, muito menos. Chegando no açougue pedimos 1 fígado inteiro, ao lugar de um singelo Kg.
E um fígado bovino inteiro é grande, especialmente para crianças de 6 e 7 anos. O balconista do açougue colocou aquele órgão em uma sacolinha plástica, a qual nem eu nem meu primo conseguiriamos carregar sozinhos, mas lá fomos nós. Cada um pegou em uma alça da sacola para distribuir o peso e conversávamos animadamente a caminho de casa.
Na metade do caminho, senti um súbito alívio no peso da minha alça, e demorou alguns passos até meu primo e eu pararmos de caminhar e perceber o que tinha acontecido... Era óbvio que aquela sacolinha ia arrebentar, mas nós só constatamos isso quando vimos aquele fígado ensaguentado rolando estrada abaixo.
A estrada era de terra, sem nenhuma pavimentação, e o sangue daquele troço misturado com terra vermelha criou uma crosta de barro por cima da carne.
Ajuntamos de qualquer jeito aquele pedaço de 'bofe', cravando as unhas e carregando no colo como podíamos, "como dois urubus" segundo a descrição da minha mãe. E chegando em casa largamos aquela carcaça ensanguentada e embarrada em cima da calçada.
Naquela época eu não pensei muito na consequência que aquela cena traria a uma mulher grávida, mas foi ainda menos agradável do que o fígado destroçado.
Minha mãe literalmente não sabia se ria ou se chorava, enquanto nos xingava mandando levar aquela coisa pra longe dela.
Nós interrompemos de forma irreversível a prescrição do médico, minha mãe não conseguia mais nem sentir o cheiro de fígado pelo resto da gestação. Mesmo assim, graças a Deus, minha maninha nasceu firme e forte, e afinal de contas aquele ferro nem fez tanta falta assim.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Coisas de irmã mais velha 2

No dia em que minha bisavó faleceu, minha irmã ainda era bem pequena, não devia ter mais de um ano e meio. Ela ouviu as pessoas comentando que nossa bisa seria levada a um cemitério e resolveu questionar ao nosso pai sobre o que se tratava esse lugar.
- “É um lugar onde se enterram os velhinhos.” – Foi a resposta não muito detalhada que obteve. Mas, pareceu que ela havia se dado por satisfeita, afinal de contas para nossa surpresa não tocou mais no assunto.
Alguns dias depois, enquanto minha mãe a ajudava com um merecido banho – depois de ter passado um dia inteiro fazendo bolinhos de barro – ela sente falta de um anel de ouro que minha irmã usava no anelar esquerdo.
Quando perguntou à minha irmã se ela sabia onde estava o anel, ela respondeu: “Ah mãe, ele já tava velhinho, aí eu enterrei. Fiz um cemitério!”
Bem que minha mãe tentou recuperar o bendito anel dando umas cavoucadas pelo jardim, mas com as coordenadas de uma criança de menos de dois anos não ficou muito fácil...
O anel está lá, em algum lugar daquelas terras, até hoje. Se alguém encontrar pagamos recompensa. Pertence a um pedacinho da família, literalmente.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Males do século

Tem dias em que mesmo que você se concentre muito em um objetivo, ou na busca de uma paz interior, acaba cedendo às pressões mundanas à sua volta. Faz parte do ser humano fraquejar. Faz parte da vida mantermos uma eterna busca.
O ser humano em geral tem a necessidade e o péssimo hábito de nunca se dar por satisfeito. E é daí, desse deslize comportamental, que surgem as doenças do século nas nossas vidas.
Batalhamos por um bom emprego, onde seremos valorizados e requisitados, e logo em seguida estamos nos queixando do stress que as pressões do trabalho e a falta de tempo nos ocasionaram. As mulheres sonham em se casar, ter filhos e um cachorro, para depois reclamarem que não tem tempo para elas mesmas e dos excessivos gastos e transtornos com a burocracia do divórcio.
Os estudantes dão de si o máximo, no auge da sua ansiedade, objetivando entrar nas universidades, quando entram, não conseguem conciliar o ingresso à faculdade com o ingresso à vida adulta, e muitos desistem pelo caminho, frustrados e deprimidos.
Se paga aluguel, sonha em ter uma casa própria. Se tem casa própria, sonha em ter uma casa na praia.
Se anda de ônibus, sonha em ter um carro. Se tem um carro, abomina o transito a ponto de preferir ir pro trabalho andando.
Se mora no interior, quer ir pra cidade grande em busca de novas oportunidades. Se mora na capital, trabalha uma vida toda almejando em seu futuro a tranqüilidade de uma vida interiorana.
É duro encarar a realidade de frente, mas as doenças do século são de mera e exclusiva criação humana. O homem carrega em si a única e exclusiva culpa pelo stress e a depressão estarem atingindo tanta gente cada vez mais cedo.
Apesar dos milhares de anos de existência e desenvolvimento do homem, ainda não conseguimos aprender um dos princípios mais simples e fundamentais para gozar de uma vida plena e feliz: ‘Viver um dia de cada vez’.
Quando vamos aprender a dar sentido a palavra “paciência”?
Quando vamos nos dar ao tempo de parar e analisar em retrospectiva nossas vidas, percebendo que nós já alcançamos aquele sonho projetado no passado?
Qual é a fórmula pra entender que tudo acontece em seu tempo certo?
Se alguém descobrir ao menos uma dessas respostas, divulgue essa noticia para o mundo, a humanidade agradece.


“Deus nunca nos dá um fardo maior do que podemos carregar.”

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Falta de memórias de uma infância

Eu sempre tive, desde pequena, um certo desvio de atenção. Trata-se de uma memória seletiva involuntária, é a minha teoria... Toda vez que eu chegava em casa da escola e minha mãe perguntava se tinha lição eu simplesmente não sabia responder. Eu nem sequer sabia sobre quais disciplinas eu tive aula, que dirá a matéria que, teoricamente, eu tinha aprendido. Até que eu ía bem na escola, meu subconsciente sempre dava uma mãozinha, mas na época minha memória recente era sufocada por outros turbilhões de idéias que surgem em mentes jovens e férteis.
Até aí, tudo bem. O problema é que esses lapsos de esquecimento iam além da escola... Eu me lembro, não sei como, de um dia em que minha mãe pediu pra eu ir ao mercado. Normalmente ela me pedia duas coisas, e eu esquecia de uma, ou então brigava com ela por se precaver e pedir pra eu anotar pra não esquecer. Mas, neste dia, em especial, eu fiz pior. Saí de casa bem bela, encontrei uma amiga, fiquei uma hora jogando conversa fora com ela na rua, e voltei. Sem compra alguma. Eu até tentei inventar uma desculpa quando a minha mãe me perguntou das compras, mas acabei caindo na gargalhada junto com ela.
Ela só não achou tão engraçado quando eu esqueci a minha irmã. Nessa época eu ainda morava no interior, bem no interior, e o leite que consumíamos era tirado direto da vaca, quentinho... Eu ía até a vizinha buscar o leite fresco em um balde, quase todos os dias. A minha irmã, cuja primeira frase completa que aprendeu foi "Mana, posso ir junto?" me fazia companhia em vários desses passeios. Em um final de tarde de verão lá fomos nós, baldinho na mão, rumo à nossa tarefa diária. A vizinha tinha um filho da mesma idade da minha irmã, com uns dois anos, mais ou menos. Ela chegou lá, encontrou com ele e entrou na casa para brincar. Eu conversei um pouco com a vizinha, peguei o leite, fui embora.
Quando cheguei em casa, minha mãe com seu faro maternal em funcionamento pleno perguntou: "- Você não está esquecendo de nada?". "-Não." - respondi prontamente.
- E a sua irmã?
- Esqueci.
Depois do olhar que ela me lançou não precisava dizer mais nada. E acredite, vocês não gostariam de estar lá pra ver.
Como minha mãe mesmo diz, quem não usa a cabeça usa as pernas. Tive que voltar lá com a maior cara lavada dizendo que tinha ido buscar a irmã extraviada.