sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Passado negro

Está passando na televisão um comercial de carro onde falam que lama rejuvenesce. É uma proposta “diferente”, com um monte de gente com lama na cara cantando “forever Young”... Enfim, o referido comercial despertou em mim memórias relacionadas também à lama da minha infância (literalmente).
Se meus primos e eu já não sabíamos o que inventar em dias de sol, quando tínhamos à nossa disposição mil e uma variedades de brincadeiras ao ar livre, imagine só em dias de chuva! Em um desses dias minha mãe pediu pra minha prima e eu buscarmos chá de marcela pra ela. A chuva tinha dado uma trégua, então essa era uma oportunidade pra minha mãe que, alem de conseguir o chá, teve um argumento pra nos tirar de dentro de casa. Lá fomos nós, minha prima e eu, cantarolando, pisando numa possinha d’água aqui, outra ali, respingando um pouquinho de barro na outra... até percebermos que já estávamos chegando no vilarejo vizinho ao nosso, sem nem uma folha de chá na mão, e com barro dos pés a cabeça. Mas a preocupação maior não foi nem com a falta de chá, nem com a distancia, e sim com o sermão que ouviríamos ao chegar em casa...
Muito espertas e sem nenhuma noção, ainda fizemos todo o caminho de volta sem colher nenhum chá, e ensaiando uma ceninha esdrúxula pra pôr em prática quando chegássemos em casa. A estratégia era fazer cara de coitadinhas, e dizer em uníssono: “Não vai chingar?”. Óbvio que não deu certo. Além de a minha mãe ser mais do que vacinada com as nossas caras de santinhas, a gente ainda caiu na gargalhada depois de dizer a frase pré-programada (quando percebemos que pondo em prática nosso plano soava ainda mais ridículo que nos ensaios). Apesar do ‘momento sem noção’ minha mãe não nos chingou – grande erro. Aquela ‘porcaria’ nos rendeu apenas um banho gelado de mangueira no gramado de casa, e não foi o suficiente para aprendermos a lição.
Os nossos banhos rejuvenescedores se repetiram muitas e muitas vezes. O próximo foi no meio dos canteiros de plantação do meu pai, dessa vez foi com meu primo mais novo. Alem de nos embarrarmos dos pés a cabeça – ele com uma camiseta branca – e de estragar a plantação do meu pai, ainda fomos desfilar pelo centro da cidade, orgulhosos pelo estado lamentável com que conseguimos nos colocar. Cumprimentávamos os vizinhos, que estavam boquiabertos nos olhando, como se não houvéssemos notado nada de novo e desconhecêssemos o motivo da admiração...
Nas mesmas férias, e com um pouquinho mais de lama, meu primo e eu fomos ao “Lago Negro”, uma poça de água suja –como o próprio nome sugere – em que nos banhávamos nos dias de muito calor. Esse Lago Negro era longe das nossas casas, e fomos de bicicleta. Acabamos perdendo o horário e quando nos demos por conta já estava quase anoitecendo. Apesar de pressentirmos a preocupação dos nossos pais, meu primo encontrou uma pedra brilhante no caminho. E tão brilhante quando a pedra foi a idéia dele de levá-la para casa. A pedra tinha pelo menos o dobro do tamanho da sua cabeça. Obviamente ele não conseguia equilibrar a pedra sobre a bicicleta, então preferiu ir a empurrando, a pedra sobre o banco. Como já estava escurecendo e nós não estávamos prestando muita atenção no caminho, meu primo que estava a pé pisou em uma poça imensa de lama que o afundou quase até o joelho. E ao trazer o pé de volta a superfície percebeu que o chinelo tinha ficado na poça. Começamos uma caça desesperada ao chinelo – agora com pressa de ir pra casa, porque junto com a escuridão aumentava o nosso medo. Quando finalmente o achamos mais uma vez estávamos cobertos de lama, loucos pra ir pra casa, e meu primo ainda queria carregar a maldita pedra! Consegui convencê-lo do contrario bem a tempo, pois quando chegamos em casa – por volta das 21:00h, nossas famílias estavam prestes a colocar a policia atrás de nós.
Ainda nessas férias nós dois conseguimos estragar o carrinho de mão em que meu tio buscava leite para a sua fabricação de queijo. Meu tio – inconseqüente – pediu que levássemos o carrinho até a minha casa porque mais tarde ele buscaria alguma coisa por lá... do lado da minha casa tinha um morro com cascalho solto. Uma rua esburacada e mal cuidada, mas com uma ladeira convidativa pra duas crianças possuindo duas rodinhas! Sem hesitação alguma – e ainda menos juízo – começamos a nos empurrar ladeira abaixo. Um ficava dentro do carrinho, e o outro empurrava, o mais rápido quanto possível. Repetimos isso dezenas de vezes, até que, em uma delas, enquanto eu empurrava meu primo, esbarrei em uma pedra de cascalho maior do que as outras e o carrinho não agüentou. Ao passo que a rodinha travou, eu caí por cima do meu primo e do carrinho, e descemos os três rolando estrada abaixo. O carrinho ficou inutilizável. A roda virou um pedaço de ferro retorcido sem forma definida. E com a maior cara lavada e os joelhos ralados ainda tivemos a cara de pau de falar pro meu tio que não tínhamos feito nada e que não sabíamos o que tinha acontecido com a roda... “Já tava assim quando eu peguei”, desculpa clássica!
Todo mundo tem um passado sujo.